Game engine como ferramenta criativa
Segue aqui parte de meu artigo confeccionado junto com Luiz Carneiro para a SBGames deste ano.
Um game engine (ou motor de jogo) é um programa de computador que visa simplificar e abstrair o desenvolvimento de jogos eletrônicos. O termo originou-se no meio da década de 1990, especialmente no desenvolvimento de jogos de tiro em primeira pessoa. Normalmente, esses engines são de dois tipos:
1. um engine gráfico para renderizar gráficos 2D e/ou 3D, responsável por processar dados abstraídos de alto nível e gerar dados de baixo nível entendíveis pelo hardware.
2. um engine de física para simular a física, responsável por simular ações reais através de variáveis como gravidade, massa, fricção, força e flexibilidade.
2. um engine de física para simular a física, responsável por simular ações reais através de variáveis como gravidade, massa, fricção, força e flexibilidade.
Apesar da especificidade do nome, game engines são também usados para criar outros tipos de aplicações interativas com gráficos em tempo real, tais como demonstrações, visualizações arquiteturais, simulações de treinamento (como de pilotagem de aeronaves e manuseio de armas) e ferramentas de modelagem.
Essa noção do game engine como estrutura primária para a confecção de games é a que mais importou quando do planejamento e da execução do curso ministrado no MLP. Além disso, interessou-nos também o aspecto de simplificação e de abstração da linguagem de máquina computacional, bem como a idéia de um engine cuidando de algo tão complexo e tão “do mundo” (um objeto de secundidade Peirciana) como a física. Essa função estrutural do engine foi colocada em paralelo com a tradução intersemiótica, particularmente no aspecto instrumental e operacional de sua transição inter-códigos, que trata os originais a serem traduzidos precisamente como estruturas modelares, valendo lembrar que a tradução intersemiótica é sempre realizada em termos do transporte de uma linguagem à outra – como da literatura para o videogame, ou da música para a história em quadrinhos.
No âmbito do trabalho comparativo entre os game engines e a tradução intersemiótica, a liberdade inerente à tradução de um original em outra linguagem que não a sua apresenta, no trânsito dos códigos e na apropriação de estruturas, de conceitos e de conteúdos, possibilidades claras de não-submissão ao código original e ao que ele apresenta como elementos a serem traduzidos.
A estrutura primária que os engines apresentam como modelos de construção de games (estrutura esta que deve necessariamente ser respeitada como regra limitadora da criatividade e, portanto, coerciva), foi quebrada justamente através dos pressupostos da tradução intersemiótica como tradução criativa: tanto os game engines gráficos quanto os game engines físicos foram tomados como plataformas que instalam regras que devem ser mudadas para a confecção de objetos criativos que tenham suas bases nessas estruturas primárias, em um processo que tem forte relação com os pressupostos de trabalho do OULIPO, grupo que visava a construção literária sobre regras duras chamadas de contraintes – como as de jogos e de modelos formais e matemáticos – para que, no quebrar dessas regras, uma nova estrutura criativa fosse formada.
A tradução intersemiótica, estudada através das concepções de Julio Plaza, é de matriz jakobsoniana e guarda fortíssima relação com as classificações e com os processos de formação e desenvolvimento dos signos conforme propostos por C. S. Peirce. Plaza cita Jakobson para afirmar que “substituem-se mensagens em uma das línguas não por unidades de código separadas, mas por mensagens inteiras de outra língua” (2003, p. 72). Para Plaza, “a tradução como forma estética não é uma simples transferência de unidade para unidade, do complexo de um sistema sígnico para outro, pois toda unidade constrói o seu sentido e significação numa unidade maior que a inclui” (ibid: p. 72).
As linguagens e seus conteúdos, quando traduzidas ou operadas intersemioticamente, formam, no código-receptor, outras mensagens relativamente independentes e dotadas, a partir do momento de sua formação, de uma individualidade existencial própria, ainda que vinculada à sua fonte. A tradução intersemiótica, em seus melhores parâmetros, não lavora simples transferências, mas sim uma reconstrução necessária, calcada nos limites dos códigos-fonte e dos códigos-receptores e eivada de um potencial de devir que tanto mais é aumentado quanto mais essa tradução não toma seu referencial primeiro como coerção, mas enquanto proposta de liberdade criativa.
A liberdade criativa da qual se fala é especialmente entendível e potente quando trabalhada nos moldes de teorias da tradução como as de Walter Benjamin e Haroldo de Campos (esta em especial sob o prisma da transluciferação), no que estas teorias propõem de não-submissão às coerções exercidas pelos códigos e por seus conteúdos, depositando nas mãos do tradutor-recriador a possibilidade e a responsabilidade de atualização do signo, vista como um processo crítico de pensamento sobre o signo.
Então, na tradução intersemiótica criativa há que se pensar na dessacralização dos códigos, e essa dessacralização deve ser aplicada também às estruturas dos engines, para que se possa promover sua quebra e conseqüente reconstrução ou ampliação de suas capacidades de construção de games. É importante dizer, no caso da ampliação das capacidades, que esta ampliação é pensada em decorrência de os engines apresentarem, em si, ferramentas ou possibilidades de customização, tornando-se assim, ou por suas próprias diretrizes ou por decorrência de sua constituição operativa, uma espécie de código aberto, semelhante ao Linux, por exemplo.
Lucia Santaella, em O que é Semiótica, diz que “todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se comportar como sistemas vivos, ou seja, eles se reproduzem, se readaptam, se transformam e se regeneram como as coisas vivas” (2004, p. 2). Esta definição confere às linguagens, e em especial às linguagens em seu uso artístico, uma organicidade que, em sua capacidade de readaptação e de transformação, gera a possibilidade de um fazer artístico que seja ancorado justamente em atributos de transformação que são conditio sine qua non da tradução intersemiótica e, na verdade, sua própria natureza. São tais características e atribuições que transportamos e que depositamos sobre os engines.
O momento em que se incorpora toda a arte feita para o game dentro da engine, a capacidade de realizar iterações rápidas na plataforma de destino é fundamental, de preferência fazendo as modificações necessárias dentro da própria engine. Não só isso, como também tem de existir uma versatilidade para poder se utilizar o mesmo motor em outros gêneros de games, como por exemplo, tiro em primeira pessoa e um adventure game.
via http://planetagamer.com.br

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