Como hackers consertaram o “pior jogo de todos os tempos”

Thaylan Sk | 16:38 | 0 comentários

  • 30 anos após o lançamento, entusiastas decidem modificar a versão de E.T. para o Atari 2600 e deixam o jogo muito melhor.

De acordo com lendas urbanas um aterro em algum lugar próximo à pequena cidade de Alamogordo, no Novo México, EUA, está lotado com milhões de cópias do pior jogo de videogame já feito. Um jogo que alguns observadores culpam pela quebra no mercado norte-americano de videogames em 1983. A “bolha” da Atari teria estourado por causa de um pequeno alienígena.
Em dezembro de 1982 a Atari lançou “E.T. the Extra-Terrestrial” para o Atari 2600, e os críticos rapidamente o rotularam como o pior jogo de todos os tempos. Mas à luz de jogos mais recentes - como Aliens: Colonial Marines e SimCity - dar perpetuamente a E.T. o título parece um pouco injusto. Ainda assim, o jogo continua a encabeçar as listas dos “piores”, inclusive a nossa, consistentemente.
Então, porque você deveria dar ao jogo uma outra chance? Porque um hacker conseguiu corrigir alguns dos maiores problemas do jogo, e agora ele é divertido de jogar.
O que deu errado?
Quando a Atari conseguiu os direitos de E.T. no final de julho de 1982, ela queria transformar o jogo num sucesso de vendas no fim do ano. Steven Spielberg escolheu o programador Howard Scott Warshaw(designer de Yar’s Revenge e Raiders of the Lost Ark, dois dos melhores jogos de Atari em todos os tempos) para projetar o jogo, e a Atari estabeleceu um cronograma que deu a ele apenas cinco semanas para completar o trabalho.
“Eu fui ou o garoto prodígio selecionado para fazer o projeto, ou o único estúpido o suficiente para aceitar o desafio”, diz Warshaw. Infelizmente, devido ao curto ciclo de desenvolvimento o jogo nunca recebeu os ajustes finos que deveria. A Atari literalmente mandou o jogo para as lojas às pressas, e o produto que chegou às prateleiras estava pra lá de “cru”.
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O Atari 2600 foi sinônimo de videogame no início dos anos 80
Jogadores imediatamente começaram a chamar E.T. de confuso e frustrante. A jogabilidade era impossível de compreender, e nada parecia fazer sentido. Símbolos vagos surgiam ocasionalmente no topo da tela, era necessário mergulhar no manual para buscar seu significado. Andar até os cantos da tela o levava até um cenário completamente diferente, sem um objetivo claro a perseguir. E ocasionalmente personagens apareciam na tela e, sem dar nenhuma pista quanto a seu propósito ou intenção, levavam E.T. para outra cena.
Os gráficos eram ruins, mesmo para os padrões dos jogo no início dos anos 80. E E.T. era tragicamente suscetível a cair em um dos muitos “poços”, na forma de círculos, diamantes ou setas, que compunham a paisagem. Cair constantemente em um deles, e o trabalho para sair de lá, tornava o jogo irritante e monótono.
A Atari superestimou grosseiramente as vendas do jogo, produziu cópias demais (mais do que o número de consoles já vendidos, segundo rumores) e acabou sofrendo um duro golpe financeiro, com uma perda estimada de US$ 100 milhões na empreitada. Mas Warshaw modestamente recusa toda a culpa pela quebra no mercado de videogames em 1983, citando a fracassada versão de Pac-Man para o Atari 2600 como um fator que contribuiu. “Gostaria de acreditar que sou capaz de derrubar sozinho uma indústria multibilionária, mas duvido disso”, diz ele.
Esse jogo tem fãs?
Mas uma minoria insiste que E.T. era um jogo bom e divertido. O problema, segundo eles, é que as pessoas não o entenderam. Eles argumentam que as crianças não leram o manual incluso e que, apesar do jogo ser difícil, sua mecânica, contendo elementos como mundos abertos e missões opcionais, estava à frente de seu tempo.
As instruções respondiam a todas as questões sobre o objetivo, o sistema de pontuação, os inimigos, o propósito dos poços e o significado dos símbolos estranhos. Infelizmente elas também eram longas e complexas, e provavelmente não seriam o material de leitura favorito de uma criança numa manhã de Natal. O manual tinha as respostas mas, assim como hoje, em 1982 os jogadores esperavam simplesmente começar a jogar e entender os objetivos em tempo real.
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O mapa do jogo é na verdade um cubo tridimensional. Acima, uma visão dele "aberto"
O mundo aberto também causou alguns problemas. Hoje eles são comuns em jogos como Grand Theft Auto, mas quando E.T. foi lançado um mundo descrito como um cubo tridimensional (como ilustrado acima) era algo pra lá de ambicioso. Você chegava ao canto da tela e era levado para um ambiente completamente diferente. A transição era “correta” dentro do contexto do jogo, mas a não ser que você compreendesse sua lógica, ficaria rapidamente desorientado.
Duane Alan Hahn tem argumentos persuasivos em defesa do jogo no site RandomTerrain, mas não há como negar que o jogo não era o mais adequado para o público mais jovem que comprava e jogava a maioria dos jogos em 1982. A jogabilidade de E.T, suas estratégias e estilo não eram familiares para a nascente indústria dos jogos, e não seriam apreciadas até muitos anos mais tarde.
Surge uma solução
Para tornar o jogo mais atraente a seus muitos críticos o hacker David Richardson, ou “recompile”, com a ajuda de usuários nos fóruns do site Atari Age, iniciou um projeto para resolver muitos dos problemas mais conhecidos. O resultado é uma detalhada explicação técnica do projeto, bem como uma nova ROM (um arquivo contendo uma cópia do programa armazenado no chip de memória dentro do cartucho), que pode ser usada em emuladores e melhora dramaticamente o jogo.
A principal reclamação sobre o jogo original envolve as frustrantes e contínuas quedas nos poços. O problema era resultado do sistema de detecção de colisão implementado: se um único pixel sequer de E.T. fosse sobreposto a um pixel sequer do poço, o alienígena cairia lá dentro, mesmo que seus pés estivessem firmemente plantados no solo. Mas depois de alguns ajustes no código, o problema não acontece mais.
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Boa parte do corpo do E.T. está sobre o poço, mas ele não cai pois seus pés estão no chão
Uma segunda reclamação é relacionada à dificuldade geral do jogo, desafiador demais mesmo para jogadores veteranos. Cada passo drenava energia de E.T., fazendo ele desmaiar rapidamente e reduzindo sua pontuação. Para um jogo baseado em exploração, a penalidade sobre a movimentação era um grande problema.
Mas graças a mudanças no código do jogo, o personagem só perde energia quando corre, cai ou levita. Uma simples caminhada não é mais prejudicial à pontuação. A explicação técnica também dá dicas de como modificar ainda mais a dificuldade. Por exemplo, é possível ajustar a taxa de consumo de energia.
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Na versão modificada, E.T. tem sua cor original restaurada
Por fim, na versão original do jogo E.T. sofria de uma estranha mudança de cor: no filme ele era marrom, mas no jogo era verde. Mas graças à mudança de alguns valores no código, ele agora está mais próximo de sua cor original.
O mais interessante é que Richardson não teve acesso ao código-fonte original e fez as modificações abrindo a ROM e ajustando manualmente valores usando um editor hexadecimal, e ainda assim consertou um jogo de 30 anos de idade. A jogabilidade não foi modificada, e é recomendado que você leia o manual ou assista a um tutorial para entender o que tem de fazer.
Warshaw elogia as mudanças e admira a tenacidade de Richardson. “Ele trouxe muita integridade ao projeto, e acho que fez um bom trabalho”, diz o programador original, que assegurou à PCWorld que se a Atari lhe tivesse dado mais tempo em 1982, teria feito estas mudanças por conta própria.
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Parte das modificações. Os valores em hexadecimal antes dos ":"
são posições de memória, e os pares após eles são o conteúdo delas
Você pode baixar a ROM com a nova versão de E.T. no site do projeto, e rodar o jogo usando um emulador em seu PC como o Stella, ou um emulador online como o Javatari. E.T. estava à frente do seu tempo em 1982, mas graças à um fã dedicado com habilidade técnica, agora é possível finalmente apreciar este clássico dos games. Mesmo que ele continue sendo um dos jogos mais odiados na história.

via PC World

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